Privatização dá água e saneamento no Brasil é crime de lesa pátria

Tramita no Congresso Nacional um novo Marco Regulatório do Saneamento que pode abrir as portas para a privatização de um serviço básico para a vida dos brasileiros: a gestão da água e do esgoto. A presença privada na área é pequena no Brasil. Levantamento estima que 6% dos municípios (72% deles com menos de 50 […]

31 de outubro de 2019

Tramita no Congresso Nacional um novo Marco Regulatório do Saneamento que pode abrir as portas para a privatização de um serviço básico para a vida dos brasileiros: a gestão da água e do esgoto.

A presença privada na área é pequena no Brasil. Levantamento estima que 6% dos municípios (72% deles com menos de 50 mil habitantes) são atendidos por operadores privados, atiçando os interesses do empresariado.

A questão central é a transferência da titularidade de serviços essenciais para a sobrevivência do povo brasileiro para a inciativa privada. A gestão da água e esgoto deve ser pública e atender direitos e necessidades sociais e não estar à serviço do lucro. Basta observar que hoje predomina um movimento de reestatização destes serviços no mundo em função dos péssimos resultados obtidos.

O Chile, por exemplo, onde 94% da população urbana é atendida pela iniciativa privada, passa por intensas manifestações públicas em função do aumento da pobreza e da dificuldade de acesso à serviços básicos. As privatizações em larga escala no país e seus resultados nefastos para o povo, deveriam servir de exemplo para nós.

O relator especial da ONU em direitos humanos em água e saneamento, o brasileiro Léo Heller, tem posição contrária à proposta de ampliar participação privada em saneamento. A classifica como “falaciosa”.

Diz sobre o assunto em entrevista na Folha de S. Paulo: “A experiência internacional mostra que a iniciativa privada coloca recursos limitados para expandir os serviços. Em vários países, o que ocorreu é que buscam recursos nos bancos públicos, ou usam recursos arrecadados da tarifa, cobrando um excedente para investimentos (…). Essa atração do recurso privado, como se fosse uma panaceia para resolver a crise fiscal, me parece algo falacioso.”

Os países ricos fizeram aportes de recursos muitos significativos para dar conta da demanda de água e esgoto, empregando profissionais bem preparados e planos bem sólidos e estáveis de universalização dos serviços. EUA, Japão e União Europeia são exemplos neste sentido. No Brasil, país de grandes carências, debate-se exatamente o contrário.

Estima-se que as privatizações permitiriam a arrecadação de R$ 170 bilhões, ao passo que os estudos mostram que os investimentos necessários giram na casa do R$ 550 bilhões, muito aquém, portanto, do estimado.

Em outros países ocorreu o mesmo processo que se verificou com as privatizações no Brasil: as empresas vencedoras do certame recorrem a bancos públicos (especialmente o BNDES) para obter crédito, em função dos custos elevados de serviços. É a velha ladainha da eficiência do privado sobre o público, que na prática se mostra com outra roupagem.

As profundas desigualdades sociais no Brasil colocam um elemento central nesta discussão: a privatização provocará, inevitavelmente, a redução ou exclusão do acesso a água e esgoto de milhares de brasileiros.

Mas há outros desafios a serem enfrentados. Os especialistas apontam que falta continuidade temporal na implantação dos serviços e perduram financiamentos intermitentes em áreas mais carentes, gerando um mapa de descontinuidade na oferta do serviço no Brasil, muito em função das dificuldades de associação entre estados, municípios e o governo federal, articulados em torno do que determina a lei.

A Sabesp (SP) atende uma população perto de 28 milhões de pessoas, a Copasa (MG) cerca de 15 milhões e o Cedae (RJ) mais de 13 milhões dão uma dimensão da escala do problema.

O Governador João Doria, por exemplo, tem declarado que pretende privatizar a Sabesp, o que representaria um retrocesso gigantesco para a efetiva busca de soluções para o problema.

Como o financiamento é parte essencial na busca de soluções a PEC do Fim do Mundo, que congelou o orçamento nacional por 20 anos, acaba por compor o quadro de crise na oferta dos serviços e alimenta o discurso privatista que perpassa o debate sobre o Marco Regulatório do Saneamento.

Somente cerca de 3 mil municípios brasileiros (55,2% do total) contam com coleta e tratamento de esgoto. A constatação das necessidades levou à criação da Lei nº 11.445 em 2007 que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico no país. Esta mesma lei determina a elaboração do Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).

O Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico) que se orienta pelo conjunto de serviços nas áreas de infraestruturas e instalações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais urbanas, indica que a criação de um sistema organizado de serviços é plenamente autossustentável.

Em outras palavras, o que orienta o plano e as necessidades do setor passa pelo investimento público, a associação de esforços entre estados, municípios e a esfera federal, a constituição de consórcio entre pequenos municípios, a efetiva implantação aplicação das diretrizes nacionais para o saneamento básico no país, a defesa do meio ambiente e a proteção de nossos mananciais geradores dos recursos e, principalmente, levar em conta as necessidades de vida e sobrevivência de nosso povo.

Em 2010 o Brasil votou na ONU favoravelmente à resolução que reconheceu água e esgoto como direitos humanos. É este o caminho.

Ivan Valente

Deputado Federal PSOL SP

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